Desde que fintechs e bancos digitais passaram a ofertar produtos de investimentos cômodos, fáceis e mais rentáveis do que a poupança, muitos de seus usuários “estrearam” no mercado financeiro. Embora levem o nome de “cofrinhos”, “caixinhas” ou outras nomenclaturas que sugerem facilidade e até mesmo familiaridade, esses serviços geralmente são compostos por ativos como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Recibos de Depósito Bancário (RDBs) e até mesmo títulos públicos. Mesmo que parte significativa de seus investidores façam pouca ou quase nenhuma ideia do que isso quer dizer. E agora essas fintechs querem ir além. A ideia é oferecer investimentos cada vez mais sofisticados dentro da mesma roupagem de um serviço simples e de fácil acesso.
O Nubank foi uma das primeiras fintechs a oferecer algo do tipo. Desde que lançou a NuConta, em 2017, o principal atrativo dela era o rendimento automático e acima da poupança. Depois de algum tempo, o Nubank mudou algumas das regras da NuConta (que atualmente rende 100% do CDI, taxa que segue de perto a Selic, após 31 dias de depósito) e lançou as chamadas “caixinhas”.
Esse serviço funciona como um “cofre virtual” em que o cliente separa uma quantia para um determinado objetivo, seja para comprar algo, fazer uma viagem ou usar como reserva de emergência. Dependendo do objetivo e do perfil do cliente, o Nubank oferece algumas opções de caixinhas mais adequadas para aquela finalidade. Cada uma tem um rendimento, que vai de 100% do CDI até 112% do CDI a depender do vencimento. Os prazos de resgate, por sua vez, variam de um dia útil até dois anos, quanto maior ele for, maior é o rendimento.
Em todos os casos, porém, o dinheiro é aplicado em um Recibo de Depósitos Bancários (RDB) do Nubank ou no fundo Nu Reserva Imediata. O RDB é um título de renda fixa emitido por uma instituição financeira para captar dinheiro. Na prática, o investidor empresta dinheiro para aquele banco e recebe juros por isso. O risco, portanto, é o de crédito do banco. Trocando em miúdos, é o risco de a instituição emissora não devolver o valor emprestado. Esses títulos, no entanto, têm a garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), mas que só garante até R$ 250 mil por CPF, em cada instituição. Já no caso do fundo (Nu Reserva Imediata) não há proteção do FGC, assim como acontece com todo tipo de fundo de investimento. Antes, as “caixinhas” não deixavam tão claro a nomenclatura desse investimento para onde esse dinheiro ia. Atualmente, no entanto, quando o cliente vai aplicar nessa ferramenta, aparece o nome “RDB” ou “fundo”.
Agora, porém, o objetivo do Nubank é “turbinar” as caixinhas com outros produtos, como fundos de investimento e até mesmo títulos públicos, por exemplo.
“Queremos sofisticar um instrumento que é fácil. A ideia não é criar uma prateleira gigantesca que gera a ansiedade que os clientes têm, é fazer isso de forma assistida, facilitada”, afirma Guilherme Espallargas, líder da área de investimentos do Nubank. Segundo o executivo, a ideia é que no futuro o cliente consiga montar de maneira mais customizada sua caixinha, inclusive com mais produtos, que serão sugeridos pela fintech, baseado no perfil, objetivo e necessidade do investidor.
Questionado sobre o quanto isso será transparente e claro para o cliente, Espallargas afirma que “a mágica” que o Nubank busca é a de “manter o aspecto simplificado daquela experiência de investimento, mas trazendo informações relevantes para que o cliente tome a melhor decisão”. A ideia, portanto, é permitir que o cliente “customize” sua caixinha com mais opções de produtos, mas sempre deixando claro quais são as taxas, custos e até riscos de cada um. Além disso, o Nubank priorizará a oferta de ativos que estejam alinhados com a meta e o perfil daquele investidor.
No Mercado Pago, a ideia de sofisticar os produtos ofertados, mas mantendo a roupagem simples já começou a ser aplicada. A fintech oferece hoje uma conta com rendimento automático que tem um retorno de 100% do CDI. A diferença, no entanto, é que esse rendimento acontece desde o primeiro dia e o dinheiro é aplicado pelo Mercado Pago em títulos públicos. O risco, nesse caso, é de “calote” do governo.
O cliente ainda tem a possibilidade de separar esse dinheiro em diferentes “cofres virtuais”, na ferramenta “reservas”, que tem as mesmas características de rentabilidade que a conta. Assim como era no Nubank, porém, no app do Mercado Pago não fica claro, logo de cara, no que o cliente está investindo ao colocar o dinheiro na reserva (que, nesse caso, é em títulos públicos).
Ignacio Estivariz, diretor sênior de contas digitais no Mercado Pago, explica que as reservas têm, parcialmente, uma função “educativa”. Ele explica que parte do objetivo desses produtos é que ele seja uma porta de entrada simplificada no mundo dos investimentos, que auxiliam o cliente no aspecto comportamental, ajudando-o a criar o hábito de guardar dinheiro em uma aplicação e ver esse montante crescendo.
Agora, o Mercado Pago quer ir além. Segundo a própria empresa, depois que os usuários se familiarizaram com a conta e com as “reservas”, a fintech passou a oferecer outros tipos de investimentos, com rendimentos maiores e prazos diferentes. O primeiro passo foram os CDBs, emitidos pelo Mercado Crédito (instituição financeira do grupo). Atualmente, existem opções que vão de 103% do CDI até 118% do CDI, com prazos de um mês a dois anos.
Nesse caso, porém, a nomenclatura desse tipo de ativo fica visível para o cliente assim que ele abre o menu de investimentos do aplicativo. Ainda nesta aba, o cliente tem a possibilidade de ler com mais detalhes o que é o CDB. Assim como o RDB do Nubank, os CDBs têm o risco de crédito da instituição emissora, mas também contam com a proteção do FGC em até R$ 250 mil.
“A conta remunerada é nosso produto básico. Muitos clientes chegam nela porque começaram a entender esse conceito de rendimento automático. Depois, fizemos as reservas, que ajudam na gestão de dinheiro do usuário, que separa lá um dinheiro para comprar algo, pagar o aluguel ou fazer sua reserva de emergência. E os CDBs são um passo a mais. A gente conseguiu que os clientes investissem pensando em um prazo maior. As pessoas começaram colocando pouco dinheiro, viram como funciona, ganharam confiança e aumentaram o ticket médio dos investimentos, que subiu 220%”, afirma Estivariz.
Desde abril, a fintech deu mais um passo nesse sentido: começou a oferecer os fundos de investimento que têm em parceria com a Órama, que é a corretora parceria do Mercado Pago. “A gente lançou os fundos que são um produto mais complexo e são parte dessa jornada de sofisticação”, afirma Estivariz.
O PicPay está trilhando um caminho parecido. Atualmente, a fintech oferece uma conta de rendimento automático que oferece um retorno de 102% do CDI. O dinheiro, no entanto, pode ser dividido em “cofrinhos”, que têm as mesmas características. A diferença é que a conta passa a render a partir do 31º dia de aplicação, enquanto os cofrinhos rendem desde o começo. Em todos os casos, o montante é aplicado em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) emitidos pelo PicPay, títulos de renda fixa semelhantes aos RDBs do Nubank. Mas, assim como nos demais, o nome do investimento financeiro para o qual vai o dinheiro dos cofrinhos não é algo que fica prontamente visível ao cliente ao longo da experiência no aplicativo.
E o PicPay também se assemelha aos seus concorrentes nos objetivos daqui em diante. A companhia quer expandir as opções dos cofrinhos, colocando ativos de prazo mais longo e, consequentemente, rendimentos maiores. Recentemente, a companhia já incluiu esses outros tipos de investimento em sua plataforma. Por meio da aba “investir” o cliente consegue encontrar CDBs que rendem de 103% do CDI até 114% do CDI. Os prazos variam de três meses a dois anos e o investimento mínimo é de R$ 100. Segundo Pedro Romero, diretor de serviços financeiros para pessoa física da companhia, hoje, ao perceber que um cliente deixa o dinheiro por muito tempo parado no cofrinho, o próprio PicPay envia uma mensagem perguntando se ele não deseja trocar por um CDB que renda mais.
A ideia agora é aumentar ainda mais a gama de investimentos do PicPay e oferecê-los ao público da maneira mais acessível, simples e facilitada possível. Questionado sobre os esforços da fintech em deixar claro todas as informações que os clientes precisam sobre aqueles investimentos, Romero afirma que a estratégia é “trabalhar com exemplos”.
“A gente vai pro caminho de tentar simplificar a jornada, de não trazer a complexidade do mundo financeiro para o cliente. Trabalhamos muito com exemplos. Na aba de investimentos, por exemplo, o cliente vê um CDB de 3 meses que rende 105% e já consegue ver ali quanto isso rende caso ele aplique R$ 1 mil”, afirma Romero. Os fundos de investimento são alguns dos itens que foram entrando aos poucos no catálogo do aplicativo e agora estão disponíveis para todos os clientes.
Fundos na mira
Essa jornada de sofisticação acaba passando pelos fundos de investimento na maior parte das fintechs. A ideia, segundo os executivos, é incluir esses produtos no “cardápio” dos investidores de maneira simplificada, assim como fazem com CDBs, RDBs e outros títulos de renda fixa. Nesses casos, o foco continua sendo na experiência do usuário e a ideia passaria pela “apresentação” desses produtos de maneira mais clara e objetiva, com todas as informações “fundamentais”, como taxas e nível de risco bem visíveis.
No caso do Nubank, por exemplo, embaixo do guarda-chuva da empresa há a Nu Asset, gestora própria da companhia. Em um levantamento feito pelo Valor Investe com a base de dados da Morningstar, aparecem cinco fundos da gestora que somam mais de 860 mil cotistas. O maior deles é o multimercado “Nu Seleção Cautela”, que conta com 517,6 mil investidores. Mais de 90% da cesta deste produto é composta por títulos públicos e títulos de crédito privado. Ele tem aplicação inicial mínima de R$ 100 e o resgate leva de três a quatro dias úteis e sua taxa de administração é de 0,64%.
Por enquanto, na plataforma do Nubank, não é tão fácil acessar os fundos. Pelo menos não tão fácil quanto é encontrar as caixinhas. Até porque, o cliente precisa responder a algumas perguntas antes para completar seu cadastro na NuInvest (corretora da empresa) e ter acesso a todos os investimentos. Na aba dos fundos, no entanto, o cliente consegue encontrar de maneira fácil as informações principais sobre os produtos.
Apesar disso, Espallargas, do Nubank, afirma que o objetivo é trazer esses produtos para os clientes de maneira mais simplificada e customizada, com indicações e orientações específicas para cada usuário de acordo com seu perfil e objetivo, sem que ele precise “navegar” em diferentes prateleiras para fazer sua escolha.
“O importante pra gente é: qual é a demanda do cliente, o que ele quer? Qual é o risco, retorno e liquidez que ele busca? A ideia é organizamos esses produtos e criarmos interfaces dentro do aplicativo para explicar esses conceitos e como mostramos isso para o cliente. E, dependendo do ativo que ele escolher, mostramos qual é a perspectiva de chegar no objetivo”.
Na base de dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também foram encontrados três dos fundos oferecidos atualmente pelo Mercado Pago: o Órama Potencial Fundo de Investimento em Ações, que tem 36,9 mil cotistas; o multimercado Mercado Pago Órama Balanceado, que tem 32,3 mil investidores, e o fundo de renda fixa Mercado Pago Órama Segurança que conta com 192,4 mil cotistas.
Segundo Estivariz, do Mercado Pago, desde que foram lançados, em abril, o fundo multimercado e o fundo de renda fixa foram os que mais captaram cotistas no mercado brasileiro. Agora, os próximos passos são lançar mais produtos na plataforma, inclusive além dos fundos, como títulos públicos e outros produtos de renda fixa como LCIs e LCAs.
Na plataforma do PicPay, para alguns usuários os fundos ainda estão com a etiqueta de “em breve”, uma vez que estão sendo disponibilizados gradualmente. Mas recentemente a companhia inaugurou uma nova unidade de negócios que é uma distribuidora de valores mobiliários (também chamada no jargão de mercado de DTVM). A unidade será dedicada a investimentos, justamente para ampliar o portfólio do que é oferecido na plataforma. Nela, já há 75 fundos de outras instituições, além de títulos como LCIs, LCAs e CDBs de terceiros que serão, aos poucos, incluídos no app do PicPay.
Juros em queda
É bem verdade que o cenário de juros altos ajudou a popularizar as contas de rendimento automático e, consequentemente, as ferramentas como “cofrinhos” e “caixinhas” das fintechs. Afinal, como são instrumentos de renda fixa, geralmente com rendimento atrelado ao CDI (que, por sua vez, segue a Selic), essas ferramentas estavam sendo atrativas ao investidor. Agora, com a Selic em queda, é possível que a própria demanda dos clientes por produtos mais sofisticados seja mais um incentivo para que as fintechs ofereçam outras alternativas.
Os executivos garantem, no entanto, que a estratégia principal é turbinar as ferramentas de investimento a ponto de oferecer nelas bons produtos independentemente do cenário de juros.
“Vamos explicar quais são os cenários, dependendo do que aconteça com juros. É claro que não vamos explicar de curva de juros, que é algo abstrato, mas explicaremos, por exemplo, que em ativos que têm mais risco, o potencial de ganho aumenta, mas que aí o investidor está exposto a uma volatilidade maior. Enfim, a ideia é sempre deixar claro as informações fundamentais. Achar esse balanço, de mostrar de forma simplificada e até meio lúdica aquilo é o grande desafio que temos aqui. E tem coisas interessantes que estamos explorando que vão ser parte fundamental das caixinhas no futuro”, afirma Espallargas, do Nubank.
Segundo o executivo, a ideia é “não limitar os clientes”. Para ele, todos deveriam buscar retornos melhores para acelerarem a chegada em seus objetivos, mas “de forma responsável, respeitando seu perfil e tolerância a risco.
Estivariz, do Mercado Pago, destaca que ferramentas como as caixinhas e cofrinhos têm apelo independentemente da política monetária. “Mais de 70% das pessoas ainda investem em poupança no Brasil. Nossos produtos básicos já são muito melhores que a poupança. A mudança de taxa de juros sempre vai acontecer. Mas nosso propósito é trazer ferramentas para que pessoas compreendam como investir e otimizem isso, seja com cenário de taxas menores ou maiores”, afirma.
‘Cofrinhos’ e ‘caixinhas’ como porta de entrada
Os produtos como as “caixinhas” e “cofrinhos” das fintechs são uma porta de entrada para muitos investidores. No caso do Nubank, por exemplo, uma pesquisa recente feita pela própria empresa mostrou que 55,4% dos 7 mil clientes entrevistados investiram ou guardaram dinheiro pela primeira vez por meio da plataforma da companhia. Atualmente, são 8,6 milhões de clientes ativos nas “caixinhas”.
No caso do PicPay, desde que os “cofrinhos” passaram a ser oferecidos, em dezembro do ano passado, 6,6 milhões já foram criados. Ao todo, são 5 milhões de usuários ativos nessa modalidade, o que representa cerca de 14% da base de clientes da companhia. Segundo uma pesquisa própria “guardar dinheiro” é o objetivo de 35% das pessoas que usam os “cofrinhos”. Montar uma reserva de emergência foi citado por 24%.
No Mercado Pago, a funcionalidade “reservas” teve um aumento de 32% do ticket-médio neste ano. Agora, os clientes fazem em média um depósito por semana em média e o prazo de resgate costuma ser entre 11 e 12 meses. Segundo Estivariz, o produto costuma ser a “porta de entrada” de muitos investidores, que fazem essa jornada de sofisticação pelo próprio Mercado Pago. Ele conta que, no caso dos CDBs, mais de 50% dos investidores aplicaram pela primeira vez em produtos desse tipo pelo Mercado Pago.